domingo, março 01, 2009

História de Embalar

Há uns dias, um pequenino grande homem desafiou a minha imaginação, e convenceu-me, à laia daquele sorriso traquina, a contar-lhe uma história de embalar. Resolvi escrevê-la depois, pois sei que daqui a muito tempo, tanto eu como ele, vamos lembrar este momento de cada vez que a relermos...

Era uma vez um carrossel feito de algodão doce (daquele que parece uma nuvem…). Os meninos vinham de todas as partes do mundo só para poder brincar neste carrossel, que girava, girava, girava e girava, e voltava a girar como se fosse um pião que alguém tivesse lançado antes, e que nunca mais havia podido parar. Os pais alternavam entre os sorrisos embevecidos pela imagem rodopiante das suas crianças, e o olhar cabisbaixo, causado pela vergonha de também eles quererem brincar com os filhos no carrossel. Eles não sabiam que ainda eram crianças, e que na verdade seria impossível, algum dia, deixarem de o ser. Por isso mesmo, lá se entretinham com as guloseimas que os filhos haviam deixado para trás, não à força dos múltiplos avisos de que o açúcar faz mal aos dentes, mas sim porque o carrossel não deixava que os petizes se interessassem por nada mais…
Este carrossel emanava um aroma muito forte a morangos colhidos na Primavera. Era tão forte, mas tão forte, que um dia chegou ao céu. E foi nesse dia que os anjos sentiram pela primeira vez o cheiro a morangos, e ficaram tão deliciados que rapidamente organizaram uma excursão ao local de onde o mesmo provinha.
Quando tentaram entrar, o dono do carrossel não deixou. Disse que tinham de pagar, como todos os meninos. Ora na terra dos anjos não há dinheiro, porque quando eles querem agradar a alguém tocam música com as suas harpas, daí que não precisassem de notas ou moedas, aliás nem sabiam sequer o que eram. Foi assim que formaram uma orquestra de harpas e tocaram uma melodia bem alegre para conseguirem entrar. Como não gostava de música, o dono não se convenceu e impediu, mais uma vez, que os anjos brincassem no carrossel. Mas os querubins, que tinham vindo de tão longe, tocaram a melodia ainda com mais força, até que os meninos que estavam no carrossel os conseguiram ouvir. Por momentos, como que enfeitiçados, os meninos correram na direcção do som das harpas, e depararam-se com os anjos. Quem estava lá diz que não percebeu bem o que se passou depois, e que só se lembra, que todos juntos, os anjos e os meninos, viajaram em claves de sol até ao carrossel. Mais tarde só se pode ouvir uma ária de risos, terrenos e celestiais, que só parou ao anoitecer, quando todos foram sonhar…

5 comentários:

João Afonso Adamastor disse...

"...uma ária de risos, terrenos e celestiais, que só parou ao anoitecer, quando todos foram sonhar…" :D

Este conto é bastante afável, gostei imenso... profundamente aberto, equívoco q.b. e damos conta (em cada olhar sobre ele) como é pausado e de conteúdo facilmente apreensível. Fora de qualquer brincadeira, espero mesmo encontrar novas histórias de embalar por aqui...

"A criança que fui chora na estrada
Deixei-a, ali, quando vim ver quem sou.
Mas hoje vendo que o que sou é nada,
Quero buscar quem fui onde deixei." (FP)
_________

Já passou muito tempo desde a última visita, mas vejo que este espaço continua ricamente povoado com as vossas agradáveis apreensões quotidianas :)

Até ao próximo encontro,
João Adamastor (aka Hans N. Zwert)

Mãozinhas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mãozinhas disse...

E continuando com Pessoa:

"Olha-me rindo uma criança
E na minha alma madruga.
Tenho razão, tenho esperança
Tenho o que nunca me basta."

Sem dúvida, foi este o mote para esta história de e para embalar.

Ainda bem que gostaste Hans N.Zwert :)

E já que não estamos para brincadeiras,conto sempre com a tua presença nestes trilhos blogosféricos...:P

Anelar

João Afonso Adamastor disse...

:D

nonsense disse...

"Se tenho as mãos ocupadas
Escrevo com os olhos." Ione França
Muito bom....AMOREI!!!;)
um conto ao grande nível de "espelho da alma espelho do mundo", que me embalou....


....pois agora vou dormir!!!(tinha de deixar a piada)....ihihiih...

Muitos blogokisses;)