quarta-feira, março 26, 2014

Entorpecimento

Calcorrear ruas em levamentos de calçada,
lamentos de um trajeto que já não o é.
Num pranto calado envolvo-o em memoriais
de exíguos vazios que mais não fazem que
toldar a razão, aqui e agora.

Palavras doces que embalsamo,
Para não nos esquecer.
Não me esquecer.

O chão destroça-se em pedaços de algodão
prontos a voar quando terminarem
as palavras brandas enfrascadas.

Moleza do ser não combina
com este caminho, nu de pavimento.
De terra batida, descalço, entregue a si próprio.

Cadinhos de imperfeição
quando o vocábulo se solta.
Quero ir com ele, com colarinhos das amarras que me prendem a ti.

[Ou o que ainda há por fazer.]

domingo, março 02, 2014

A Misantropia Tem Hora Marcada

Um suspiro de alívio, não demasiado fugaz, escapa-se assim que entra em casa. Tateia os objetos com uma familiaridade impossível lá fora. 

 Roda a saia quando é preciso, face às agruras que a picam no cinzento das horas em corrupio.  Mas em casa - seja ela onde, como e em quem for - gosta de a despir. É prazenteiro sentir o rosto da sua própria pele e envolver-se no seu aroma, e, enfim, encontrar-se novamente: panorâmica de um processo sempre inacabado.

Em desilusões de relações desejosas de  falhar, reenquadra a esperança num porvir autêntico.  E no lastro fresco deste sentimento, satisfaz todos os músculos do seu corpo, dilacerando-se em evasões de tensão. Esvazia a mente. Limpa o coração.

Da janela, observa o gotejar de mais uma noite. Mergulha em si e volta à tona para respirar. Afinal, amanhã é um novo dia.