segunda-feira, maio 28, 2007

A Memória Inventada...

Hoje à noite estava eu, como tantas outras noites, em frente ao computador a contorcer-me para não gritar de tédio quando o meu primo me diz para fazer uma vizita a um blog: memoria-inventada.weblog.com.pt
Quando abri o blog e vi o primeiro texto pensei: "que seca, um texto tão grande...não me apetece nada ler isto, vou é ver videos para o youtube..." Mas la lhe dei aquele voto de confiança e decidi ler o ultimo post, que vos trascrevo aqui... se tiverem curiosidade e não se deixarem levar pela "seca do tamanho do texto" leiam porque merece a pena...

Sandra

Infidelidade: uma abordagem prática (17)

Sandra lê com irreprimível gozo que na Malásia, ao abrigo da Sharia, um homem pode divorciar-se da mulher por SMS, desde que a mensagem seja clara. Comenta a notícia com a mãe, que se indigna com a reacção da filha e aproveita para lhe dar um sermão sobre a violação dos direitos das mulheres nos países de maioria islâmica. A resposta de Sandra sai torta - "Mas têm telemóvel, mãe..." - e ela pela porta fora.
Sandra crescera entre as novas tecnologias e via no SMS uma forma de comunicação com os seus códigos próprios. SMS enviado era SMS recebido e lido naquele preciso momento. Em todo o caso, a responsabilidade passava para o receptor. Nisso se distinguia da carta, do postal, do bilhete escrito e até da mensagem de correio electrónico. Nem extravio, nem tempos de espera. Uma certeza instantânea. O SMS atingia sempre o alvo, como aqueles mísseis com detectores de calor que perseguem os aviões. Por mais voltas que a pessoa desse, a mensagem chegaria ao seu bolso ou à mala e para Sandra era natural partir do princípio de que seria imediatamente lida, mesmo na ausência de resposta. Se esta percepção pode ser geradora de desnecessária ansiedade, para Sandra trazia vantagens óbvias.
Namorava um homem mais velho, divorciado, com muitas responsabilidades profissionais e que gostava de se deitar cedo. Como ela era noctívaga e esperta o suficiente para poder faltar de manhã às aulas sem que os seus liberais pais a maçassem, os seus horários eram pouco compatíveis. Sandra tinha ternura pelo seu homem, apreciava o conforto emocional e material, bem como o que ele lhe ensinava. Via na diferença de idades - e o que são duas décadas numa vida? - um atractivo. Ele amava-a perdidamente, por todas as razões que são do conhecimento geral. Pernoitavam amiúde, embora com irregularidade, e muitas vezes ela enfiava-se na cama sem o acordar.
Sandra apreciava a noite e era uma rapariga cortejada que lidava bem com a dinâmica passional da sua geração. Rara era a semana em que na escuridão de um bar ou numa pista de dança não se sentia tentada a ceder a um flirt. E raro era o mês em que não concretizava esse desejo. Ao contrário de algumas, tinha escrúpulos. Mas como gostava de viver, desenvolvera também um ritual. Nisso se distinguia de muitas outras.
Na cronologia fina do desejo, há um instante que antecede a fronteira em que se deixa de ter mão na realidade, uma última oportunidade em que a decisão ainda é possível. Sandra aprendera a reconhecer esse instante e a certificar-se de que onde quer que estivesse a rede não faltaria. O que fazia então era enviar um SMS ao seu namorado, sempre a mesma mensagem, em que pensara aturadamente: "é melhor estarmos afastados por uns tempos". Parecia-lhe a fórmula ideal, que interrompia o namoro sem fechar portas e que apesar de tudo demonstrava algum respeito pelo companheiro, por vir sem abreviaturas. Enviada a mensagem, entregava-se livremente aos prazeres que a esperavam. Tentava depois regressar a casa do namorado antes que amanhecesse. Abria a porta com cuidado, descalçava-se, entrava no quarto, procurava o telemóvel dele, certificava-se com alívio de que a mensagem não havia sido lida e apagava-a. Deitava-se depois, só que sem o abraço do costume e guardando algum lençol de distância.
Não é de supor que este ritual de Sandra, cujo ridículo que vem por definição era amplamente frisado pela prática, eliminasse nela todo o mal-estar, mas ajudava-a. Isso chegava. Ela comportava-se como um católico pecador a quem basta o conforto do confessionário. E assim se passaram anos. A sorte acabaria por abandoná-la numa noite de insónia do seu namorado. Ao chegar a casa, ele tinha os olhos inchados de tanto chorar, mas parecia já recomposto e envergando a armadura do orgulho. Percebendo tudo de imediato, cabisbaixa, a rapariga pediu que ele a aceitasse de volta. Foi quanto bastou para que a armadura caísse por terra sem que houvesse interrogatório. Só na cama ele lhe perguntou com alguma ansiedade: "estavas a brincar, não estavas?", ao que ela respondeu: "não, querido, mas hoje de manhã já tinha mudado de ideias. Foi uma precipitação minha". Havendo nesta frase duas verdades e uma mentira, não escandaliza concluir que o saldo na consciência de Sandra ainda era positivo. Com saldo positivo e anúncio nessa semana de cobertura de rede total para o país, o futuro dos dois parecia ainda mais promissor.

Fura_Bolos (conseguiram?)

2 comentários:

Anónimo disse...

mto fixe, valeu a pena...

Mãozinhas disse...

Retrato muito fiel das paridas que a realidade nos prega...O importante e continuarms fiéis a nos mesmos..Gostei muito

Anelar