Trovejavam veios luminosos lá fora, entre os estilhaços de vidro que protegiam a habitação do mau tempo…As gotas farejavam as frechas por onde se infiltrariam, para num colapso só, alagarem os alicerces simentados por tempos anedónicos. As telhas teclavam os dentes, numa sinfonia atónica, sem eira nem beiral por onde arrastar a água pendente da chuva.
Os móveis dançavam ao som de um boogie-woogie desconcertado, conduzido pelo ritmo ciclónico, que se confinavam à exiguidade do universo, preso ali mesmo no jardim maltratado.
Enquanto as cortinas se bamboleavam nos reflexos cinza da chuva que passava, rangiam as portas em cópulas apressadas pelo frio que vinha do final do corredor, onde a janela permanecia aberta..aberta..
Na cozinha, a mesa tinha restos de víveres ensopados pelas sombras cinzas emanadas pelas nuvens cabisbaixas, que tentavam entrar pelos vidros opacos. As facas ganhavam vida própria e cortavam estes pedaços de céu, para um banquete tardio que se havia de fazer, sempre que pingassem rios nilos nos confins daquele lar.
Subindo as escadas, encontravam-se os quartos com camas de odores a terra molhada, a amores devassos que se propagavam na enxurrada que os havia de levar até à cómoda, onde poderiam pentear os seus cabelos de cobre reluzente..
Finalmente, no sótão, reduto final da intempérie constante, podiam avistar-se os raios quentes de um sol que despontava a partir de quimeras isoladas, e que desatava todos os sonhos escritos naquelas sombras vagabundas…as sombras de uma casa.
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