sexta-feira, julho 15, 2005

É isto que vos digo, meus amigos!!

"...
Olha para ti!
Se te não vês, concentra-te, procura-te!
Encontrarás primeiro o alfinete
que espetaste na dobra do casaco,
e depois não percas o sítio,
porque estás decerto ao pé do alfinete.
Espeta-te nele
para não te perderes de novo,
e agora observa-te!
Não te escarneças!
Acomoda-te em sentido!
Não te odeies ainda
qu'inda agora começaste!
Enjoa-te no teu nojo, mastodonte!
Indigesta-te na palha dessa tua civilização!
Desbesunta-te dessa vermência!
Destapa a tua decência, o teu imoral pudor!
Albarda-te em senso!
Estriba-te em Ser!
Limpa-te do cancro amarelo e podre!
Do lazareto de seres burro!
Desatrela-te do cérebro-carroça!
Desata o nó-cego da vista!
Desilustra-te, descultiva-te, despole-te,
que mais vale ser animal que besta!
Deixa antes crescer os cornos
que outros adornos da Civilização!
Queria-te antes antropófago
porque comias os teus
– talvez o mundo fosse Mundo
e não a retrete que é!
..."

Excerto do poema Ódio de José Almada Negreiros

(Nem queiram ler o integral... é, sem sombras de dúvidas, mais sarcástico e incisivo acreditem... mas eu recomendo ;)
Já era um visionário...) Polegar

3 comentários:

JoaquimGilVaz disse...

Bem, quando Alberto Caeiro disse que temos de " aprender a desaprender" estava a ser provocante...mas comparado com isto torna-se quase irrisório...

O nome do poema não podia ser mais adequado.

Mais uma vez a surprender-nos com as tuas incursões literárias...muito bem ;)

Anónimo disse...

É a minha obra preferida
"A Scena do Ódio"
de José Almada Negreiros

Anónimo disse...

É uma espécie de investida contra "A Ode Triunfal" do Álvaro de Campos... para kem não sabe...