O quarto de um solteiro raramente tem as persianas da janela
totalmente abertas. Entram vagos raios de luz, iluminando fulgurantemente os
restos de comida que , por comodidade e desleixo afectivo, ficaram espalhados
pelos móveis.
A cama, quase sempre desfeita, denuncia uma solidão que
corresponde à desarrumação somente de um dos lados da cama. A solidão ganha
género, sobretudo o feminino, se junto ao travesseiro encontramos um pacotinho
de lenços, ao qual é endereçada aquela monótona desculpa “Estou
constipada”. Esta constipação nunca passa. Seja Verão, seja Inverno, esta
constipação é alimentada por um vírus que se aloja num coração partido.
Enquanto persistir o seu habitat, este dissemina-se, e os lenços usados acumulam-se
ao lado da cama, como pequenas compressas que tentam estancar a tristeza
destilada daquele coração desgraçadamente ferido.
No quarto de um solteiro solitário, a roupa amontoada na
cadeira, ganha forma, e, enfim, vida. Constitui já o amigo imaginário, o
companheiro das horas vagas, que são as menos possíveis, visto que um solteiro
evita o seu quarto, como quem foge do espelho.
Os livros estão dispostos casualmente e de forma corrida,
pelo quarto em geral. A separa-los encontram-se pequenos pedaços de comida,
restos de jantares solitários acompanhados de um qualquer ecrã. Estas obras,
folhetins ou revistas, para além da roupa suja, são os verdadeiros camaradas do
solitário solteiro. Enquanto se deita no seu catre, despojado de amor e
carinho, mas repleto de um conforto com travo de azedume, pode deleitar-se com
a vivência de novos mundos que não o seu. O leitor pensará que assim o é em
todas as idades e condições para todos aqueles que gostam de mergulhar num bom
livro. Mas no caso do solteiro, a situação toma contornos especiais.
Salvo algumas felizes exceções, o solteiro não quer viver a
situação atual, e, simultaneamente, não sair da zona de conforto, visto que as
mazelas sentimentais costumeiras teimam em não fechar. Assim sendo, viver um
romance arrebatador, ainda que trágico, ali mesmo deitado na sua cama,
constitui o último reduto de felicidade que um pode ter. É por isto, que os
quartos dos solteiros interessantes podem constituir mini bibliotecas.
Não devemos esquecer aquela célebre citação “If you go home
with somebody, and they don´t have books, don´t fuck´em!”, que sub-repticiamente
confere alguma sensualidade aos nossos solteiros, e uma resignada esperança na
promessa de amor real que um livro traz.
No dormitório de um solteiro é comum encontrar notas,
bilhetes, presentes, pastilhas mastigadas, qualquer coisa que revele os seus
antigos amores, e os recorda que afinal um dia foram amados, tema que agora
constitui unicamente um terreno árido, e, ao mesmo tempo, pantanoso.
O estado do quarto de um solteiro só muda quando, em noites
pontuais, alguém interessado e interessante passa por lá. De fé
renovada, lá se arruma todo o espaço, lá se escondem todos os vestígios de uma
baixa auto estima, e de recordações do passado que possam comprometer a
continuidade da aventura do presente.
A noite acaba. A companhia sai, e a desilusão do telefonema
não recebido no dia seguinte atrai todas as características primordiais do
quarto. É tempo de fechar totalmente a janela. Faz frio lá fora.