A arte de amar não deveria subjugar-se a perguntas. Ou assim muitos
dizem. Alguma coisa entre o acaso e um festim de hormonas melhor explicaria o
sucedido.
Há muito tempo ouvi falar de uma
experiência em que um homem e uma mulher heterossexuais
foram induzidos a apaixonarem-se em laboratório. A situação consistia em que fizessem
perguntas um ao outro, as quais, de acordo com o protocolo, fomentariam a intimidade. Além disso, era-lhes pedido que se olhassem fixamente e em silêncio
durante alguns minutos. Passados 6 meses estavam casados.
Embora não tenha feito um follow-up da história para saber se tinha o
tão almejado final feliz, recordo-me que na altura, e no rescaldo de um coração
partido, achei que havia esperança. Afinal podia apaixonar-me por quem
quisesse. O último reduto da felicidade.
Confesso, sem vergonha de falar pela jovem dessa altura, que tentei replicar a
experiência. Era um colega de faculdade:
giro, inteligente, interessante e com aquele ar desajeitado que me provoca
insondáveis arrepios pelo corpo todo. Tentei a minha sorte naquele final de tarde.
Segui parte do guião, com as perguntas chave que nos tornariam mais próximos,
embora estivéssemos já à distância de um beijo. O que tínhamos em comum, o que
gostava nele, bla bla bla. Depois lá chegou a parte do olhar silencioso. O verdadeiro
terror não foi o que vi nele, mas o que ele podia ver em mim, como se me
invadisse até ao fundo da minha alma. Beijamo-nos mais para abandonar aquele
momento do que outra coisa. Apaixonamo-nos também . Não pelas perguntas que lhe
fiz, mas porque o escolhi para fazer essas mesmas questões. O amor não chegou.
Eramos demasiado novos e ávidos para nos aplicar-nos nesta disciplina.
Quando me lembro deste episódio, fica a parte boa. Não podemos escolher
quem amamos, mas podemos fazer esse amor durar. Podemos escolher cultivá-lo e
fazê-lo crescer. Como um jardim: colhemos os frutos, cheiramos as flores, e
regozijamo-nos com a paisagem, mas nunca sabemos que flora e fauna por lá
andam. As ervas daninhas aparecem sem hora marcada e nem sempre conseguimos
cultivar o que queremos. Em suma, dá muito trabalho.
Mas quando nos sentamos neste jardim maravilhoso, estamos dispostos a fazer as perguntas.
Não as do Dr. Aron, mas as nossas próprias perguntas, aquelas que nos levam
para sítios onde muitas vezes temos medo de ir. Que põem à prova a nossa
narrativa e a que contamos aos outros.
Depois de as fazermos, sabemos que estamos preparados para que o outro olhe para
nós. Queremos ir com ele aos sítios onde pensamos que não queríamos ir. As
perguntas anteriormente suspeitas fazem-nos querer ficar vulneráveis.