sábado, agosto 30, 2008

Norte

Quando se procura o Norte, e ele vai fugindo no horizonte, resta..o cansaço..

O Que Há

O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,cansaço,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

sexta-feira, agosto 15, 2008

O Peso do Miosóti

Nos intersticios corroídos por si próprios, que ficaram espalhados no jardim, esfrego a minha alma perdida em restos de si mesma..Quando te pedir que venhas comigo, não te escondas, vamos explorar aquilo que ficou escondido atrás das árvores, vamos arrancar as raízes que ainda nos prendem ao amanhã que nunca vem..Peço-te que me ofereças uma flor, o miosóti purpura, com que cobres o teu rosto ao amanhecer..Preciso ver o teu olhar embevecido quando deslumbras o céu..Vem comigo, desbravar as noites marejadas de luar, salpicar o sentimento com o brilho das estrelas cadentes..Deixa-me arrebatar-te com um beijo, já cansado de esperar, numa fila de vontades, que se conglomeram em bolas de fogo que a tua ausência vai dardejando aqui mesmo, no epicentro deslocado do local do sismo…O cansaço desvanece-se entre todos os momentos em que ainda penso ser possível conhecer-te…desnudo daquilo que não és, num processo de subtracção contínua em que extraio a tua essência…qual será o seu aroma? Tem o perfume de terra molhada, ou será que ainda cheira a maresia, naqueles dias em que os tons dourados do pôr do sol se esquadrinham nas ondas?Se a tactear como é?Será sedosa, ou pelo contrário espinha-nos a cada toque?Não sei…só conheço os ecos do que acho que sei, e que, ilusoriamente, sustêm o peso das interrogações, que ,penso, se finam lentamente em si mesmas…

terça-feira, agosto 05, 2008

Sem espartilhos...

Sinto-te nas minhas veias,
injecto-me contigo até à exaustão.
Nas ruas lunáticas que percorro,
já te vislumbro entre os meandros de solidão...

Exaltas-me, fazes-me arder com paixão,
desolas-me de antemão,
enfraqueces-me e enalteces-me,
com essas tuas ideias excêntricas e bizarras.

És tu quem me despe nas noites de escuridão,
desta minha armadura de frieza,
que me protege e embalsama..

Beijas-me com as tuas palavras,
com o verso que não rima,
com o suspiro silenciado pelas tuas estrofes.

Eclipsas os ponteiros do relógio,
libertas-me e prendes-me secretamente,
ao manto de loucura ensolarada..

O incesto cometo ao escrever-te,
pois com paixão carnal te sinto,
mas simultaneamente te concebo,
e de mim nasces tu, ó meu rebento..

A tua realidade enlaça-me,
encaixa-me e trespassa-me.
E se um dia o triste fado me levasse,
talvez fosses tu poesia, o meu destino acarinhado..